J. E. MÖLLER
Vivemos tempos diferentes, difíceis e desafiadores sob diversas perspectivas. Além das inúmeras situações de crise que se evidenciam, e justamente nestas circunstâncias, é possível vislumbrar oportunidades.
É importante lembrar que a própria palavra crise remete a ideia de algo que comporta e exige decisão (no significado etimológico e semântico originário que deriva do gr. krísis). E estes tempos que vivemos carrega consigo também a marca de inúmeras decisões que tomamos enquanto indivíduos, comunidades e sociedades. Tanto melhor se estas decisões, por sua vez, forem precedidas ou acompanhadas por reflexões e deliberações nestas diversas instâncias e foros (individual, comunitário e social), sejam alimentadas por conversas e ponderações inerentes ao pensamento - lembrando que pensar é pesar, também em seu significado etimológico e semântica originário -, e se retroalimentem no convívio com os outros, com aqueles que não são plenamente iguais e, portanto, são indiscutivelmente diferentes de nós, por meio de diálogos, indagações e questionamentos, em que as pessoas sejam movidas pelo desejo autêntico de entender, compreender quando possível, somar e construir, cooperar e transformar.
Nestes tempos diferentes logo se começou a falar num novo normal. Eis que o que se apresentava como normalidade se transformou. É fato, sabemos disto por conta das restrições causadas pela pandemia, pelas medidas de cuidado, isolamento e distanciamento que impingiu. Juntamente com um certo sofrimento e os dramas enfrentados por muitos, redescobrimos e exploramos as possibilidades e potencialidades de viver e conviver em família, com amigos e no trabalho. E muito disto, pela ausência e pela falta que sentimos das pessoas e de coisas, e também pelo medo de ver a vida simplesmente se esvair, se projetou um horizonte de superação e desejos, de esperanças e expectativas.
A rápida adaptação nos mais diversos versantes da vida pela qual passamos nos fez despertar para as inúmeras possibilidades e potencialidades de transformação. E se num primeiro momento, alguns projetaram no senso comum e na mídia o sentido de um novo normal como uma espécie de novo presente, que por força das difíceis circunstâncias, nos levava rumo a uma redenção; não levou muito tempo para que outros evidenciassem, muitas vezes com tons céticos, o problema de nos deixarmos levar simplesmente por ilusões de mudanças fáceis. Sinceramente, não vejo muito sentido na discussão corrente, que tantas vezes se reapresenta como uma competição que não nos leva a lugar algum, entre otimistas e pessimistas em face da transformação.
A despeito de polarizações, acho interessante destacar o quanto se tornou presente mesmo o desejo de transformação em relação a diversos sentidos e horizontes da vida, em mensagens e ações de pessoas, empresas e instituições nestes tempos de crise, que comportam e exigem decisões. Um olhar e uma leitura atenta em relação ao que se passa no mundo, e que se pode depreender da leitura de jornais, revistas, sites, blogs e mensagens nas redes sociais denotam uma espécie de movimento de (re)apropriação dos sentidos e horizontes da vida, e evidencia uma retomada importante da centralidade dos valores éticos e dos compromissos intersubjetivos e inter-relacionais em torno de sentidos comuns compartilhados. Isto se evidencia em diversas e incontáveis temáticas e questões, muitas das quais não são novas, mas que hoje se reapresentam com impressionante vitalidade nos debates que se projetam publicamente, tais como: importância da ética empresarial, de compliance e de combate à corrupção; compromisso com a sustentabilidade e questões de ESG (questões ambientais sociais e de governança); capitalismo no séc. XXI, superação de vícios e limites ao livre mercado; agronegócio ético; movimento dos neorrurais (associação entre qualidade de vida, desenvolvimento econômico e preservação ambiental); importância do desenvolvimento de conhecimento, de criticidade e empoderamento; inclusão, diversidade e direitos humanos; reapropriação e fruição de espaços públicos; economia do bem comum; economia verde; empregos verdes (green jobs); contratos de impacto social (social bonds); desenvolvimento democrático e redução de desigualdades sociais; desenvolvimento democrático e populismo, democratização da informação, democratização de conteúdos e mobilização contra desinformação e à difusão de informações e notícias falsas.
Neste sentido, estamos diante de novas e reais oportunidades de transformação, que despontam como promessas, mas que de fato se evidenciam como horizontes de novos compromissos pela mobilização e ação de pessoas de carne e osso, de cidadãos que exigem prestação de contas e participam de iniciativas de controle social e governança, de empresas que comprometem e vinculam sua atuação a propósitos, de instituições sociais que reorientam políticas públicas em prol do bem comum, de gestores, agentes e servidores públicos que assumem a responsabilidade por aquilo que lhes cabe fazer.
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