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Desigualdade e protagonismo feminino em Benedita, de Claudia Nina (leia um capítulo)

Foto do escritor: Letícia Ludwig MöllerLetícia Ludwig Möller

Atualizado: 25 de fev.





Compartilhamos um capítulo de "Benedita", romance de Claudia Nina publicado pela Dialogar. Confira:


OS OLHOS MÁGICOS DE BENEDITA


Benedita não participava do roubo dos ovos, mas acobertava. Não deixava que a vergonha chegasse aos ouvidos da mãe, que os mandaria ajoelhar no milho por toda a eternidade. Tinha medo de que a mãe não aguentasse o tranco e lhe cuidava com os olhos. Enquanto Benedita olhasse para a mãe, ela estaria salva. Se desviasse o olhar para se concentrar em outras coisas, a mãe morreria. Desde que passou a se entender por gente, descobriu que tinha olhos mágicos. Para dormir era um sofrimento. A mãe morreria de repente. Carregaria o remorso do assassinato; não olhar era o mesmo que matar. Benedita sempre visitava a bruxa Serafina para que ela benzesse seus olhos.


Era comum a menina acordar em prantos e ir correndo procurar a mãe. O pesadelo recorrente era o de que ela estava sendo engolida pelo chão como se o piso da casa fosse de areia movediça. Além desta, eram várias as causas de morte no imaginário de Benedita, entre elas um ataque súbito do coração ou um surto de catalepsia – não sabia direito o que era, mas ouviu de uma moça na fila das vacinas que o marido teve um surto disso aí, nem sabia como falar, mas depois olhou no dicionário da escola e conferiu: doença paralisante. Se a mãe não sobrevivesse, como fugiria?


Teria coragem de partir sozinha?


Ir à missa era um programa obrigatório. A menina sentava-se nos fundos da igreja, ao lado da mãe, que conversava com Deus, Ele ouve a gente nessa terra de ninguém, repetia. Benedita não sabia se acreditava naquele Deus por quem a mãe tanto chamava. Ela queria muito ter fé, mas não conseguia entender o que exatamente era ter fé. Tampouco entendia o que era Deus.


Contudo, Benedita tinha esperança. Sabia que um dia conseguiria sumir. Não acreditava que os irmãos tivessem fôlego para partir, pois se tornavam ladrões mansos e resignados. Nem as irmãs. Iriam mãe e filha de mãos dadas no meio da madrugada para não chamar a atenção de ninguém, especialmente da tia dementada, que secaria na penumbra até desfalecer se dependesse de Benedita.



  • BENEDITA, de Claudia Nina (Dialogar Editora, 122 páginas)



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